Viagem para a praia? Em casal? Estamos prontos!
E lá fomos nós. Eu, Jorge (namorado) e mais um casal de amigos que irei chamar de Karen e Moisés.
Chegamos na estação bem cedo e as às 07:30 o trem começou a se movimentar. Ficamos bem ansiosos, mas a cada hora que passava, o incômodo se tornava maior. O ar condicionado permaneceu o tempo inteiro no grau mais baixo possível, de forma que os nossos cobertores já não eram suficientes. As nossas costas já não eram mais as mesmas e doíam devido ao tempo em cima daqueles bancos rígidos. Por fim, após longas 12 horas de viagem, chegamos!
A casa que passaríamos as férias era consideravelmente longe da estação que descemos e o primeiro pensamento que nós quatro tivemos ao pisar no chão novamente foi: "Vamos pedir um uber logo pois estamos muito cansados". O alívio durou pouco tempo já que assim que abrimos o aplicativo, percebemos que o uber ainda não "existia" naquela pequena cidade litorânea.
Após um breve desespero, avistamos um posto de gasolina e resolvemos ir lá pedir alguma informação sobre como poderíamos chegar até a nossa casa. Fomos bem recebidos e até achamos um pouco de graça quando se referiram ao uber com "aqui não tem isso não!". Não se passou muito tempo quando apareceu um carro e o frentista disse que o motorista fazia esse tipo de serviço. Fomos até o carro e ele informou que poderia sim nos levar e a sensação de alívio voltou a aparecer. Após uns 30 minutos de carro, finalmente conseguimos chegar em casa, exaustos.
Os conflitos começaram a aparecer logo no primeiro dia, quando nós 4 fomos ao supermercado escolher e fazer a compra para os 17 dias de viagem, porém na hora de pagar, Karen e Moisés agiram como se nada estivesse acontecendo e eu e o Jorge pagamos a conta sozinhos.
Os dias foram se passando e fomos notando mais algumas atitudes controversas do tal casal. Todo dia de manhã, Jorge acordava por volta das 06:30 e ia até a padaria. Quando eu e o casal acordávamos, o café já estava pronto e o pão já estava na mesa. Obviamente, Jorge não se importava de ir até a padaria e buscar o café pois ele realmente acordava cedo e preferia começar as tarefas, mesmo que sozinho. O incômodo foi quando notamos que tinham se passado vários dias e eles sequer tinham tocado no assunto para acertar aquela conta do supermercado ou então todos os cafés da manhã.
É claro que gostaríamos de não nos importarmos com dinheiro e curtir a viagem sem pensar nisso, porém, na época eu não trabalhava e o Jorge havia juntado moeda por moeda para conseguirmos ir para a praia. A rotina era: acordar, tomar café, ir para a praia/rio e voltar a comer somente a noite, quando comíamos um macarrão ou algo bem simples e barato antes de dormir.
Karen e Moisés faziam questão de declarar que também não tinham dinheiro e compartilhavam da mesma rotina alimentícia que nós. Como eles não gostavam de pesca, alguns dias a gente se separava e nos encontrávamos novamente somente a noite. Até que em um desses dias, eu e Jorgeestávamos pescando próximo aos barcos e ao olharmos para a praça, avistamos casal sorridente enquanto saboreavam um lanche bem robusto, do tipo que nós não tínhamos comido em nenhum dia pois o nosso dinheiro estava sendo destinado a compras de supermercado e padaria, para o consumo de todos.
Desde então, o clima já não era mais o mesmo. Criamos coragem e tocamos no assunto da compra do mês e finalmente recebemos a parte deles do dinheiro. Jorge continuava indo até a padaria de manhã, mas agora ele trazia a compra pro quarto e comíamos sozinhos.
A viagem deu uma aliviada quando marcamos de encontrar duas pessoas que conhecemos no posto de gasolina no dia em que chegamos. Roberto, o frentista e o Daniel, seu amigo. Os dois chegaram rindo, em cima de uma moto. Comemos e bebemos enquanto conversávamos e foi um dia bem agradável na companhia dos novos amigos.
Nessa viagem conhecemos também a Geralda, uma mulher mais velha que apaixonada por tirar fotos e contar histórias da sua Juventude. Dois dias antes de partirmos fomos convidados para uma despedida na casa dela e resolvemos aceitar o convite.
No horário do almoço, fomos recebidos com a mesa farta e comemos bastante enquanto conversávamos. O tempo foi passando em meio a vários copos de cerveja e conversas engraçadas.
Dado certo momento, Karen me chama e pede ajuda pra fazer um bolo de aniversário para Moisés, já que no dia seguinte era seu aniversário. Eu aceitei e então fomos. Enquanto estávamos no fogão, fazendo a calda do bolo, Karen começou a chorar e disse que não estava se sentindo bem. Eu fiquei muito preocupada pois ela estava grávida e sugerir de irmos lá fora para andarmos até a esquina e pegar um vento.
Assim que pisamos fora do portão. ela começou a desabafar dizendo que Moisés estava bem agressivo com ela pois tinha encontrado algumas mensagens de um amigo no seu celular. Tentei acalmá-la, mas antes que chegássemos até a esquina ouvimos um grito.
- Karen! Volta aqui agora!
Se antes ela não estava bem, agora ela estava em prantos.
Calmamente direcionei a fala pra ele e tentei explicar que eu estava apenas levando ela para tomar um ar e naquele momento, nem o olhar dele eu reconhecia mais. Sugeri de voltarmos, para conversar em casa pois tinham várias pessoas e como os gritos chamaram sua atenção, todos estavam olhando para nós.
Foi aí que ele começou a vir em minha direção e gritando cada vez mais alto.
- Toma conta da sua vida! Eu não intrometo na sua vida com o Jorge então não se intrometa na nossa. Eu grito a hora que eu quiser!
Dessa vez quem começou a chorar fui eu e pela primeira vez eu senti muito medo. O desespero tomou conta de mim e comecei a tremer e corri até a casa. Entrei bufando enquanto tentava localizar Jorge com o olhar e assim que o vi, desabei de vez.
Ele ficou preocupado pois nunca tinha me visto naquele estado e perguntava repetidamente o que tinha acontecido, mas as palavras não saíam da minha boca devido ao choro.
Nesse meio tempo, o casal também chegou e trouxeram com eles a sensação de que ainda tinha muito por vir.
Um amigo de Geralda, que também estava na despedida, ficou assustado e colocou eu, Jorge e Karen dentro do carro e disse que ia nos levar para casa. Nessa hora já não sabia sobre o paradeiro de Moisés.
Quando estávamos na rua da casa, decidimos descer antes de chegar pois estávamos com medo de encontrar Moisés e não sabíamos do que ele era capaz de fazer naquele momento.
Fomos até a praia e caminhamos durante um bom tempo. Ainda sem coragem para voltar decidimos ir andando até a praça e sentar em um banco em frente ao Rio. Estávamos conversando, ainda tentando assimilar tudo o que tinha acontecido quando aquela voz tomou conta da rua novamente.
- Karen!
Ao olharmos para trás vimos ele andando em nossa direção e ao chegar ao nosso encontro, pegou a Vodka que eu tinha comprado para despedida e jogou ela no Rio à nossa frente.
- Karen, se você não vir embora comigo por boa vontade eu irei te arrastar à força pelos cabelos. Qual você prefere?
Nessa hora eu e Jorge nos olhamos na tentativa de tomar uma decisão em conjunto por telepatia, mas infelizmente não conseguimos e eu interrompi o silêncio dizendo pra Karen que se ela quisesse ficar conosco, ela ficaria. Mas para a minha surpresa, ela negou e disse que iria com ele.
Eu não queria aceitar o fato de dela ir, mas a ideia dele ferir ela e o bebê caso o desrespeitasse tomou conta dos meus pensamentos e não reagi novamente.
Eles foram e nós ficamos.
Quando tivemos forças para voltar pra casa, tudo estava silencioso e a porta do quarto deles estava trancada. É claro que hoje agiríamos completamente diferente, mas na época éramos muito inexperientes e ficamos em choque. Desde então, não escutamos mais a voz de nenhum dos dois durante a viagem.
Cada casal comprou a sua passagem e no dia da volta também fomos em carros separados até a estação.
Quando o acesso foi liberado, entramos na fila. A funcionária conferiu os nossos bilhetes e já que estava tudo certo, a entrada no trem foi autorizada.
Nos dirigimos aos nossos assentos e de início achamos estranho pois éramos os únicos no vagão, o que não fazia sentido pois Karen e Moisés também estavam vindo para a mesma cidade, no mesmo dia e no mesmo horário e geralmente essas pessoas ficam juntas, mas seguimos os direcionamentos dos funcionários sem perguntas.
Assim que o trem começou a andar, avisamos nossas famílias que estava tudo bem e que já estávamos à caminho de casa.
Já tínhamos passado por umas quatro cidades quando um funcionário do trem nos interrompeu dizendo que tinha algo errado. Ficamos confusos e perguntamos o que tinha acontecido e ele nos informou que a reserva que compramos não era para aquele dia e sim para mesmo dia só que no mês seguinte. Meu coração acelerou e perguntei como poderíamos resolver. O funcionário também estava surpreso e disse que ia verificar com o chefe do trem.
Assim que ele saiu, eu e Jorge nos olhamos e parecia que já sabíamos que aquele dia ainda ia piorar. Ao retornar, o funcionário disse que o chefe tinha autorizado a nossa permanência na viagem desde que pagássemos uma nova reserva referente à aquele dia e quando chegássemos em nossa cidade, poderíamos pedir um reembolso na estação. O problema é que o único dinheiro que tínhamos na conta era 1,25 centavos.
Nunca pensamos que iríamos precisar de dinheiro urgentemente quando já estaríamos a caminho de casa. O desespero começou a tomar conta e eu perguntei se não poderíamos pagar quando chegássemos em nossa cidade, mas ele informou que infelizmente no meio do caminho, toda a equipe era trocada e não poderiam deixar essa pendência para a próxima equipe.
Por fim, perguntei então o que aconteceria e ele nos disse calmamente que teríamos que descer na próxima parada. Aqui o Jorge já estava desnorteado e disse que não iria descer. Pedi para falar com o chefe do trem pois queria explicar a situação. Me levaram até ele, mas ele seque olhou pra mim enquanto eu falava e apenas disse que era para descermos.
Assim que descemos, perguntei a eles como faríamos para chegar em casa e nos disseram que a única alternativa seria voltar na cidade em que embarcamos e remarcar a reserva na agência. O funcionário entrou, a porta fechou e ali ficamos.
A única coisa que tinha nessa parada era um telhado e todo o restante era apenas terra. Para piorar começou a chover. Estávamos na chuva e no meio do nada. Decidimos subir uma rua de terra que tinha em nossa frente, mas antes que pudéssemos começar, um carro nos parou. Um Fiat Uno cinza, bem antigo e nele tinha um senhor dirigindo e uma senhora ao seu lado. Eles disseram que viram o que tinha acontecido e perguntaram para onde precisávamos ir. Expliquei e eles disseram que passariam por lá no caminho e nos ofereceram uma carona.
É claro que a minha mãe me ensinou a não entrar no carro de estranhos, mas era a nossa única saída naquela cidade deserta. Eu e o Jorge concordamos em aceitar o convite apenas com o olhar e entramos no carro. Para nossa alegria, eles realmente eram pessoas boas e nos deixaram na porta da agência.
Só após remarcar a passagem que nos demos conta de que essa cidade era longe da casa em que ficamos durante a viagem e não seria possível dormir lá e voltar para pegar o trem.
Resolvemos entrar em uma padaria para pensar em um plano. Essa padaria, por coincidência, ficava em frente ao posto de gasolina onde conhecemos Roberto e Daniel no dia em que chegamos e decidi ligar para Daniel e explicar o que tinha acontecido para ver se ele tinha alguma ideia de como poderíamos fazer.
Ao ficar sabendo, Daniel se comoveu com o acontecido e disse que Roberto estava trabalhando no posto aquele dia e que iria ligar para ele e me retornaria em breve. Ao falar com Daniel novamente, ele me disse para ir até o posto de gasolina pois Roberto iria me ajudar.
Fui imediatamente até o posto de gasolina e ao me ver, Roberto me perguntou como estávamos e disse para eu acompanhá-lo. Ele me levou até uma loja de conveniência ao lado do posto de gasolina e disse para eu esperar. Ele foi em direção ao caixa eletrônico, sacou uma nota de 100 reais e me deu. Eu gostaria muito de dizer que não precisava, mas naquela situação não seria possível nem fingir. Fiquei surpresa e ele disse que precisaria fazer uma entrega em outra cidade naquele momento mas que mais tarde iria nos encontrar e levar para a pousada de uma amiga.
Ao voltar para a padaria, contei ao Jorge (que ficou lá com as malas) da minha conversa com o Roberto e liguei para as nossas famílias para contar tudo.
A única coisa que pode nos dar um pouco de conforto e que cabia no nosso bolso foi comprar um cigarro com o nosso único dinheiro. 1,25 que sobrou da viagem.
Após muitas horas de espera na padaria, Roberto chegou e nos levou até a pousada.
Entramos no quarto e era bem limpo e aconchegante. Tomamos um banho e a noite recebemos uma ligação de Daniel. Ele nos levou para jantar e contamos tudo o que tinha acontecido. Ele nos acalmou e disse que ficaria tudo bem e disse que no dia seguinte de manhã, ele nos encontraria na padaria para tomarmos café e nos daria lanche para viagem.
Ao voltar para a pousada, estávamos exaustos e naquele momento chegamos à conclusão de que aquela era a melhor cama que já tínhamos deitado e apagamos em um sono profundo.
De manhã, ao caminhar em direção à estação de trem, vemos Daniel acenando na porta da padaria fomos ao seu encontro. Tomamos café enquanto ele nos contava toda a sua trajetória de vida até aquele momento. Quando deu o horário de embarque, fomos caminhando até a estação e ele nos acompanhou. Só foi embora quando nos viu entrando no trem e partindo, finalmente, para nossa casa.