Era uma das primeiras vezes que eu e Jorge viajávamos juntos. Nessa época eu tinha 16 anos de idade e estava ansiosa por tudo que iria acontecer. Mal sabia eu que seria uma de nossas piores viagens.
Estávamos indo para a formatura de uma amiga, que seria em outra cidade pois ela tinha se mudado pra lá para morar com o pai. Era a formatura do terceiro ano do ensino médio e seria em salão de festas com direito a todos os tipos de bebidas e comidas.
Depois de algumas horas de festa, notei que o Jorge não estava se sentindo bem. Muito provavelmente por causa das várias doses de whisky que ele tinha bebido naquela noite. Como o desconforto não estava passando, sugeri de ficarmos na sacada do salão de festas para que ele pegasse um vento e peguei um banco para ele se sentar. Enquanto isso, acendi um cigarro e avisei que ficaria ali ao lado dele até que se sentisse melhor.
De repente escutamos uma voz, que vinha do nosso lado direito, onde tinham dois homens escorados na parede.
- O que você está fazendo aí sentado? Se eu estivesse com uma gostosa dessa do meu lado, já estaria pegando ela aqui mesmo.
Viramos a cabeça para ver com quem um dos homens estava falando e ficamos surpresos em ver que ele direcionava a fala a nós. Ainda tentando assimilar o que ele tinha dito, falei que Jorge estava passando mal e só estávamos esperando que ele melhorasse e iríamos embora. Até que ele continuou:
- Deixa de ser frouxo, cara! Levanta daí e vai beijar a sua mulher. Ah, se eu tivesse uma gostosa dessas...
Pronto, o circo estava armado e daí pra frente, tudo desandou.
Começou uma longa discussão entre os dois até que eu pedi para que o tal homem nos desce licença pois não queríamos incomodar ninguém e só iríamos tomar um vento na varanda e iríamos embora. Rapidamente ele respondeu que ficaria onde quisesse pois o lugar era público.
Acontece que depois de tantas atrocidades que escutamos, sem pensar nem por um milésimo eu me virei pra ele eu disse:
- Vai tomar no cu! (não me orgulho disso)
Logo após terminar a frase, enquanto mostrava os dois dedos do meio, eu senti uma pressão no lado direito do meu maxilar. Foi o tempo de entender o que aconteceu e eu já vi o Jorge se levantando do banco e indo em direção ao homem, enquanto dizia:
- Você deu um soco na cara da minha mulher?
A partir disso, os dois entraram em uma luta corporal no meio do salão e nessa hora já tínhamos atraído todos os olhares da festa.
Com tudo isso acontecendo, eu virei para o outro homem que acompanhava o idiota que me socou e pedi que me ajudasse a separar pois o Jorge só tinha se partido para a briga pois o amigo dele me deu um soco antes. Não adiantou nada pois o homem continuou na parede e nada fez.
Nesse momento o homem estava por cima do Jorge e eles brigavam no chão. Desesperada e sem saber o que fazer, eu subi em cima dele e comecei a dar socos em suas costas enquanto falava pra ele sair de cima do Jorge.
Um segurança apareceu e começou a empurrar o Jorge para fora da festa, enquanto eu, desesperada, tentava explicar que tudo começou por que o outro homem estava nos ofendendo e acabou me dando um soco no rosto. Ao chegarmos à escadaria de saída, eu entrei na frente do segurança e falei que aquilo não era necessário pois poderíamos sair sozinhos além de que ele estava retirando as pessoas erradas da festa enquanto o causador de tudo continuava lá dentro. Nessa hora o segurança me empurrou e eu perguntei se ele queria ser como a Nazaré (para quem não se lembra, Nazaré era uma personagem de novela que matava as vitimas empurrando elas da escada). Com isso, o segurança nos deixou sozinhos e voltou para a festa.
Ao sair da festa, fomos para a esquina e ficamos sentados lá por algum tempo. Como fomos expulsos, não conseguimos pegar nenhum de nossos pertences como celular, carteira e coisas do tipo. Decidimos ficar por ali na esperança que um de nossos amigos sentisse a nossa falta e fosse nos procurar.
Quando estávamos nos acalmando e tudo que queríamos era ir embora para a casa, eu vi a última coisa que queria naquele momento. Ao olhar pra frente, vi o segurança empurrando o infeliz para fora da porta de entrada do salão de festas.
Eu me lembro claramente de sussurrar repetidamente, pra mim mesma:
- Não olhe pra cá, não olhe pra cá, não olhe pra cá...
Nessa noite nada aconteceu como eu queria. O homem olhou diretamente para os meus olhos e começou a andar em nossa direção. Nessa hora eu me virei pra Jorge, que estava de olho fechados, encostado em uma pilastra e disse:
- Você está dormindo? Acorda por que nós vamos apanhar.
O homem chegava cada vez mais perto e Jorge não tinha entendido ainda o que estava acontecendo e eu repeti.
- Nós vamos apanhar!
Quando o homem parou em nossa frente, eu pedi (mais uma vez) que nos deixasse em paz e que não queríamos brigar ainda mais pois já tínhamos até sido expulsos por isso. Ele não escutou uma só palavra e puxou o Jorge para continuar o que tinham começado.
Vi um motoboy atrás de mim e pedi que me ajudasse a separar pois era a segunda vez que o homem nos agredia, mas ele não quis intervir em uma briga de desconhecidos.
Lembro-me de olhar pra frente e ver os dois rolando no asfalto e tentar pensar em como conseguiria resolver aquela situação e foi então que eu tive a melhor sensação desde então. Ao olhar para a porta do salão de festas, vi um de nossos amigos vir correndo, de terno, em nossa direção.
Ao ver nosso amigo se aproximando, o homem saiu correndo e eu o perdi de vista e a única coisa que conseguia pensar era em Jorge. Quando cheguei perto, vi que a sua orelha sangrava e ele dizia estar com muita dor.
Não passou muito tempo e todos os nossos amigos nos encontraram e ficaram muito preocupados com a situação. Ligamos para a ambulância e ficamos esperando cada vez mais apreensivos à medida que Jorge reclamava de dores na cabeça.
Um carro preto parou em nossa frente e uma mulher abaixou o vidro. Ela perguntou se estávamos bem e disse que estava passando de carro e viu o que aconteceu e que o homem que tinha ido pra cima de nós. Agradecemos a preocupação e nos disse que conhecia o tal homem e finalmente pudemos dar um nome a ele. De acordo com a mulher, o apelido dele era "Quadradinho" e ele costuma a aprontar pela cidade.
Já na ambulância as coisas começaram a ficar um pouco mais calmas e Jorge até tirou um sorriso meu pois pedia insistentemente para que o socorrista o desse morfina para que ele ficasse “doidão” e esquecesse da dor.
Ao chegar no hospital, o encaminharam para uma sala e eu fiquei na recepção preenchendo uma ficha com os seus dados. Quando terminei, fui até a sala e ficamos aguardando alguém chegar para te atender.
Um policial entrou na sala e disse que queria conversar conosco. Dei meu depoimento e mencionei a mulher no carro preto, que disse que o cara era famoso por brigar na cidade e o chamavam de "Quadradinho".
Após o policial sair, um médico entrou e disse que ficaria tudo bem. Aplicou anestesia e deu cinco ponto na orelha de Jorge que nunca mais foi a mesma e se olhar bem de perto dá pra ver que falta um pequeno pedaço.